A complexidade e a beleza de “As Meninas”

26 de julho de 2020


Três amigas estudantes da USP, que moram em um pensionato de freiras, no período da Ditadura Militar Brasileira. A premissa da narrativa de “As Meninas” é simples. Mas, nas palavras de Lygia Fagundes Telles, essa história ganha a mesma complexidade que os sentimentos dúbios e contraditórios que todos temos dentro de nós.

Aliás, a obra faz isso muito bem: expõe de forma clara e escancarada as confusões, inconsistências e variações que escondemos nos pensamentos.

Isso porque a narrativa segue uma lógica de fluxo de consciência das personagens.

Há um narrador que costura a história, mas a maior parte dos capítulos traz os pensamentos das meninas. Pensamentos sobre elas mesmas, sobre as amigas, sobre a situação política no país, sobre suas desilusões e seus sonhos.

A princípio não é uma leitura fácil. Mas logo você pega o jeito e entende de quem é a voz do momento. A Lorena é a menina rica, que tem o melhor quarto na pensão. É fina, tem um quê de inocência, é virgem e tem prazer em cuidar das amigas.

A Lia é guerrilheira: suas preocupações são, sobretudo, com a revolução democrática. Mas também é romântica e sonha encontrar de novo o namorado, que é um preso político.

A Ana Clara é linda, mas está em situação deplorável por conta do uso excessivo de drogas. Os capítulos narrados por ela são os mais confusos. Mas não poderia ser diferente: é o fluxo de consciência de um cérebro afetado por narcóticos.

Essa forma de narrar às vezes nos prega peças…nos engana. Afinal, o que você lê não é, necessariamente, a verdade, mas uma versão. Um jogo de ilusão e realidade, como o proposto pelo pintor Diego Velázquez, no seu quadro que leva o mesmo nome: As Meninas.

Mas essa escolha narrativa também nos envolve completamente. Afinal, estamos dentro dos pensamentos das personagens! E, só por essa experiência, essa obra já vale ser lida.

Mas, “As Meninas” guarda ainda muitas outras riquezas.

Entre elas os discursos das estudantes sobre o amor, a sexualidade feminina, a relação familiar, a religião e, claro, a política.

Essa obra traz, inclusive, o relato de uma tortura do período militar. Uma ousadia de Lygia Fagundes Telles, tendo em vista que o livro foi publicado em 1973, ainda durante a ditadura.

A autora conta que a obra acabou passando pela censura, pois os militares leram as primeiras páginas e não entenderam nada…acharam chato demais!

Mal sabiam eles que o livro era também uma forma de resistência. Não por escancarar a violência bruta desse período, mas por denunciar o horror da Ditadura se manifestando no lugar que é comum a todos: no cotidiano.


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